Entre a rainha com T de Tigrinho e o homem com H

Divulgação: Rafael Arantes / Purepeople

Ps.: Quando eu terminei este texto, houve o anúncio de separação dos pais das Marias e o João. Não se especulou mais a dimensão das outras coisas…

Há tempos digo e repito: o Brasil não é para amadores. E, nesta semana, provou mais uma vez que nossa cultura popular é um desfile à parte, onde a ficção jamais supera a realidade e seguimos num carnaval eterno, recebendo inúmeras sambadas na cara.

Virginia Fonseca, influencer símbolo do agro-contemporâneo, não só recebeu o convite — tão inusitado que virou até piada no Fantástico — como aceitou ser rainha de bateria da Grande Rio. Sim, da Grande Rio: a escola que já desfilou homenageando Exu, que sempre lutou contra preconceitos e carrega sambas com causa e posicionamento.

O mais irônico é que, justamente no ano em que estreia a depoente na CPI das Bets no Senado — por ser uma das maiores divulgadoras dos jogos de azar que vêm endividando milhares de famílias —, o enredo da escola carioca será sobre o movimento manguebeat, que surgiu exatamente para denunciar as desigualdades sociais e a pobreza.

A discrepância é tão absurda que até Carol Castro, discreta, resolveu se manifestar e criticar, abrindo espaço para mais um daqueles debates sobre diversidade na cultura, apropriação e quem deve ou não ocupar certos lugares de destaque na avenida.

Não dá para ignorar o fato de que Paolla Oliveira, a rainha anterior, desfilou de tigresa. Agora, olhando em retrospecto, parecia um presságio meio enigmático do que estava por vir: a musa do Tigrinho. Porque a selva do entretenimento nacional sempre guarda suas armadilhas e reviravoltas.

A família agro, claro, foi para o centro do furacão. Mas, desta vez, a defesa não veio em forma de rap improvisado pelo marido. Quem se pronunciou foi a mãe, Margareth Serrão, que, ao tentar proteger a filha, acabou recebendo uma daquelas frases que merecem moldura.

Padre Patrick, em sua homilia das redes sociais, disparou: “Se você se sentiu ofendida em algum momento, peço desculpas, mas acho que não fui eu quem a acusou — foi a sua própria consciência.”

Salvou aí? Pois salve para lacrar com delicadeza sempre que precisar. Uma verdadeira lapada, digna de anotação, reflexão ou, ao menos, de uma glorificada de pé.

Mas nem só de polêmicas vive a cultura popular brasileira…

Em tempos de reconstrução, Wagner Moura levou o troféu de Melhor Ator e Kleber Mendonça Filho ganhou o prêmio de Melhor Diretor pelo filme O Agente Secreto no Festival de Cannes. A estreia de um ator brasileiro com esse reconhecimento coroa um ano de grandes emoções e de revalorização da cultura com reconhecimento mundial, que, há pouco tempo, definhava sob o desprezo de políticas públicas que preferiam artistas silenciados a premiados. É um alento ver nossos artistas voltarem a ser celebrados como devem.

E, no meio desse turbilhão de memes, críticas e reflexões, eu fui ao cinema assistir Homem com H. Que filme! Um retrato íntimo, belo e provocador de Ney Matogrosso — esse ícone que nunca precisou de aval para existir, amar, cantar e transformar.

O roteiro é bem desenvolvido, com uma cinematografia perspicaz e sensível, e uma atuação impecável de Jesuíta Barbosa, que interpreta Ney com a intensidade e a delicadeza que ele merece. Ney, com sua voz e presença, nos lembra da potência da cultura brasileira: irreverente, plural, resistente.

Se posso dar um conselho: vá enquanto ainda há uma sessãozinha ou outra num cinema aqui e ali. Leve alguém. Deixe-se atravessar por essa história que é muito mais do que uma biografia; é um manifesto de liberdade, beleza e coragem. E, depois, reassista quando lançar nas plataformas de streaming — para se apegar a mais detalhes de história e referências que a gente tanto carece. 

Assim seguimos: entre rainhas de bateria surpreendentes, padres afiados, artistas premiados e ícones eternos. O Brasil, como sempre, é esse enredo cheio de viradas — nem sempre compreensível, mas nunca, jamais, entediante.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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