A Reserva: quando o luxo “esconde” o lixo

Reprodução: Adoro Cinema

Lá vai você, confortável no sofá, achando que vai assistir só mais uma série de suspense na Netflix. E então, A Reserva te puxa para um jogo onde as regras são outras — e a selva não está só no cenário, mas em cada personagem, escolha e silêncio.

A minissérie logo rompe a superfície do que poderia parecer apenas uma trama sobre conflitos familiares ou traições. Não é. É um espelho — ora distorcido, ora cru — do que somos como sociedade, do que escondemos: ambição, culpa, solidão.

Ruby, a jovem au pair filipina que desaparece, não é só uma personagem — é símbolo dos incontáveis “invisíveis” que sustentam o conforto de outros. Não há heróis nem vilões claros, apenas um emaranhado de relações onde a desigualdade se disfarça em rotinas, gestos pequenos e omissões.

A Reserva escancara as estruturas que mantêm o privilégio: exploração do trabalho imigrante, racismo sistêmico, silêncio cúmplice da vizinhança, omissão do Estado e fragilidade da justiça frente ao poder econômico. Ruby desaparece — e o que emerge não é só sua ausência física, mas o vazio moral dos que preferem ignorá-la para preservar suas próprias narrativas.

É uma análise afiada das camadas que sustentam uma sociedade desigual. O drama da mãe que se afasta do filho para garantir um futuro melhor não é só pessoal — é estrutural.

Ali, uma conversa sutil carrega uma faca afiada: por que uma mãe precisa justificar seus sacrifícios, enquanto o homem segue livre dessas cobranças?

A Reserva também lança luz sobre a educação dos filhos — essa herança de privilégios passada como um roteiro imutável. Filhos que aprendem, desde cedo, que o mundo lhes pertence, que podem quebrar regras com impunidade.

E, no centro, a omissão dos homens. Não só omissão, mas uma rede silenciosa que protege erros e sustenta o status quo, mantendo os ricos ricos e os pobres invisíveis.

O cenário, próximo ao lago e à natureza exuberante, contrasta com o clima tenso e claustrofóbico dos personagens. Eles são reflexos nossos? Sim. Cada um carrega uma máscara e, sob ela, a verdade incômoda: a natureza humana é imprevisível, volátil e, muitas vezes, cruel.

É nesse jogo de aparências e verdades escondidas que A Reserva brilha. Não se trata só de quem matou quem, mas do que seríamos capazes de fazer para proteger o que amamos — ou simplesmente sobreviver.

A série não entrega respostas fáceis; provoca perguntas: O que é justiça? Lealdade? Até onde vai o preço da liberdade? Questões que ecoam além das telas, nos fazendo revisitar nossas escolhas e conflitos internos.

Se você quer só entretenimento, A Reserva entrega. Mas não assista se não estiver disposto a mergulhar em uma trama que discute poder, identidade e os jogos de manipulação do dia a dia.

Não é um suspense perfeito, tampouco uma obra redonda. É um convite incômodo para olhar para dentro das nossas casas e escolhas. Para enxergar o que preferimos ignorar: como a vida de muitos é moldada — ou amarrada — por sistemas que se alimentam da desigualdade e do silêncio.

Refletir sobre o que fazemos — ou deixamos de fazer — quando a injustiça acontece perto da nossa porta, atrás das cortinas da “boa vizinhança”.

Prepare a pipoca, desligue as luzes — e mergulhe nessa reserva onde o perigo não está só do lado de fora, mas também dentro de cada um de nós.


Laís Sousa

Jornalista-marketeira-publicitária comunicando em redes sociais de segunda a sexta. Escritora e viajante nas horas cheias e extras. Deusa, louca, feiticeira com trilha sonora em alta. Leitora, dançarina e pitaqueira por esporte sorte. Vamos fugir!
@laissousa_
laissousazn@gmail.com

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