“Filmes de evento” darão sobrevida ao cinema, por um custo alto

Era dezembro de 2018, quando a Marvel divulgou o primeiro trailer de “Vingadores: Ultimato”. Pela própria recepção positiva do público e as milhares de teorias levantadas na época, era possível perceber o monstro que a Disney estava prestes a criar. Em abril de 2019, o grande final daquela saga foi lançado e hoje o filme se tornou a segunda maior bilheteria da história.

Pude presenciar pessoalmente a proporção que aquele filme atingiu, já que na sessão em que fui assistir não haviam mais assentos disponíveis para a quantidade de pessoas que compraram o ingresso. Assisti à metade do filme sentado na escada entre as fileiras; para minha sorte, uma pessoa gentil se compadeceu com a minha situação e quis revezar um assento durante as longas três horas de duração que o filme possui.

Vingadores: Ultimato. Reprodução: Marvel Studios

É incrível pensar que, mesmo com todas as adversidades, a minha experiência não foi nem um pouco ruim. O simples fato de acompanhar não só uma obra cinematográfica, mas um grande evento, fez valer a pena todo o investimento em tempo, deslocamento e gastos financeiros.

A seletividade do cinema

Hoje em dia o cinema se tornou algo bastante seletivo na vida das pessoas. É preciso ver resenhas, notas do público e da crítica especializada e até mesmo a duração que um filme tem antes da decisão de ir ou não assistí-lo. Sempre se faz necessário ponderar diversas coisas para saber se no final vai valer a pena ou não o deslocamento, o valor do ingresso e a dedicação íntegra de atenção durante algumas horas diante da tela.

E o público não está errado em relação a isso. Evidentemente que a sensação de descobrir um grande filme sem nem ter visto a sinopse ou um trailer antes é perdida, mas, na troca entre as prioridades, isso costuma entrar sempre em segundo plano. Por isso que a tendência é que daqui para frente as pessoas comecem a investir cada vez mais nos “filmes de evento”, que podem ser bastante previsíveis em seu enredo, mas que ganham o público pela emoção.

Basta observar “Um Filme Minecraft”, que foi lançado a mais de duas semanas e já está próximo dos U$700 milhões em bilheteria, com forte potencial de alcançar a casa do bilhão. Não é um filme com um roteiro minuciosamente escrito e não tem uma direção de brilhar os olhos, mas isso pouco importa, pois é um filme feito para quem já possui uma afetividade pelo jogo. 

 Um filme Minecraft. Reprodução: Warner Bros. Pictures

Os riscos da massificação

Um outro olhar sobre essa nova tendência é de que existe um risco real de escancarar ainda mais a Indústria Cultural por detrás de toda essa máquina da arte. Esse conceito, desenvolvido pelos teóricos da Escola de Frankfurt na década de 1940, designa que o entretenimento popular produz em larga escala uma cultura massificada, assim como as indústrias de bens materiais.

Tal modelo proporciona uma pasteurização nos conteúdos por meio da reprodutibilidade técnica de uma fórmula em comum, além de induzir ao consumismo e agravar a perda de identidades individuais e nacionais em um mundo globalizado. Quando a cultura se transforma em indústria, o principal objetivo passa a ser o de manipular os espectadores a determinada forma de pensar e agir e não o de formar cidadãos críticos.

Portanto, os “filmes de evento” tem um grande potencial de continuar levando as pessoas às salas de cinema, mas o custo a longo prazo pode ser bastante alto. E não é como se a partir de agora só pudessem existir filmes com visões artísticas únicas e que te deixam pensativo durante uma semana (até porque ninguém merece só assistir a isso), mas a grande problemática que eu trago é que o contrário também não pode ocorrer, pois é até mais prejudicial para a sociedade.

O equilíbrio é a chave em um cenário ideal, para que a arte do cinema continue sendo um diálogo e não se torne futuramente um monólogo.


Allan Victor

Formando do curso de jornalismo na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Fundador do canal do YouTube sobre cultura pop e história intitulado Pop Show TV.

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