Fernanda Quadros fala sobre os caminhos da escrita entre a criação poética e a produção acadêmica no podcast Correspondência Literária

Fernanda Quadros, escritora, pesquisadora e doutoranda em Letras. Foto: Arquivo pessoal
O Correspondência Literária recebeu, na última quinta-feira (19), a escritora, pesquisadora e doutoranda em Letras Fernanda Quadros. Durante a conversa, a autora, que lançou os livros Palavras ao Vento e Outros Tragos, detalhou como concilia a subjetividade da escrita criativa com o rigor metodológico de seu doutorado, além de refletir sobre suas origens, processo criativo e a cena literária contemporânea.
O Correspondência Literária é produzido e apresentado por Ane Xavier, com direção de áudio de Danilo Souza e publicação da Mega.
Um dos eixos centrais da entrevista foi a dualidade vivida pela autora entre suas identidades artística e acadêmica. Fernanda descreveu um longo processo para integrar as duas facetas, que por muito tempo pareceram distintas. “Porque na minha cabeça existiam duas Fernandas. A Quadros, né? Artista, que gosta de cinema, que gosta de música, que gosta de literatura e que voa (...) E a Fernanda Carvalho, que era mãe aos 20 anos, que precisava sustentar uma criança, que tinha uma casa, que não podia perder o emprego”, relatou.
Essa tensão, segundo ela, acabou por influenciar diretamente seu objeto de estudo no doutorado, onde investiga as razões pelas quais a escrita acadêmica possui uma estrutura rígida. Para ela, esse formato pode representar um desafio à criatividade. “Isso é um engessamento para mim, no meu processo criativo, né? Eu não posso escrever minha tese de qualquer maneira. Eu não posso escrever um texto, um artigo de qualquer maneira (...), eu tenho que seguir um formato”, explicou.
Questionada sobre o processo de criação de um poema, Fernanda contrapôs a noção de que a escrita literária depende apenas de inspiração. Ela defendeu a ideia da poesia como um ofício que exige técnica, pesquisa e trabalho contínuo. “Por que no texto literário as pessoas insistem em dizer que é só inspiração? Que é liberdade poética, né? Não. O texto literário também precisa ser trabalhado. A poesia precisa ser trabalhada”, afirmou, mencionando seu hábito de consultar diversos dicionários em busca da palavra exata.
A transição de uma identidade velada para a pública também foi um ponto abordado. Fernanda revelou que começou a publicar poemas sob o pseudônimo “Eloísa Lemos” para “sentir como é que aquilo ia para o mundo”, enquanto ainda atuava na área administrativa. O ponto de virada ocorreu durante o doutorado na PUC Minas, quando foi reconhecida como poetisa por colegas e professores da área de Linguística. “E aí foi aí que a minha chave vira. (...) eu me assumo de vez, assim, elas (a escritora e a pesquisadora) podem existir ao mesmo tempo, isso não me descredibiliza enquanto profissional.”, concluiu.
A entrevista também explorou aspectos mais pessoais do ofício da escrita. Durante o Palavra Puxa Palavra, bate-bola que acontece em todas as entrevistas do podcast, Fernanda revelou que, para ela, a escrita é um ato "para lembrar" e que sua principal ferramenta é a "caneta, sempre". Questionada sobre o lugar mais incomum onde já registrou uma ideia, a autora ilustrou a urgência que por vezes a move: “No papel higiênico. (...) Às vezes não tinha papel. Eu ia no banheiro, pegava o papel higiênico e escrevia, porque eu precisava tirar aquilo da cabeça.”
Ao final da conversa, Fernanda Quadros delineou uma trajetória marcada pela busca de equilíbrio entre suas identidades. A entrevista revelou o perfil de uma autora que trata a literatura como "mergulho", e não fuga, e que investiga no universo acadêmico as mesmas estruturas que desafia em sua poesia. O percurso, segundo ela, é movido por uma força essencial, à qual dedicou suas últimas palavras: a coragem, descrita como a "força propulsora" que permite quebrar empecilhos e realizar sonhos.